segunda-feira, 30 de agosto de 2010

As Privatizações

Eu e a política - Capítulo 2

Há um fantasma de natais passados que assombra os brasileiros comuns: as privatizações. Como funcionária do Banco do Brasil, conheço trocentos que sempre que tem oportunidade vem falar dos perigos tucanos, pois todos eles querem privatizar o BB. Dizem por aí que os "privatistas" sucatearam os orgãos públicos e os venderam a preço de banana. Eis o senso comum.

Como disse no Capítulo 1, brasileiro é um animal de memória muito fraca (às vezes acho que a culpa pode ser do cloro que colocam em nossa água, pois é um problema generalizado): escândalo após escândalo, e até depois de um impeachment, adoram "famílias tradicionais" como Roriz, Magalhães, Maluf, Collor de Mello, Sarney, e por aí a lista segue, enorme. Pode ser masoquismo também: o que seria de nosso "povo sofrido" sem as mazelas infrigidas pela omissão de nossos caros políticos?

Existem muitas falácias sobre os processos de privatização do Brasil. Distantes quase 16 anos do instante em que Fernando Henrique subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, é relativamente fácil reinventar os fatos, e principalmente descontextualizar a história.

A versão sobre as privatizações brasileiras contadas hoje (principalmente sobre a Vale e as empresas de telecomunicações) são histórias levemente inspiradas em fatos reais, e alimentadas pelo imaginário de uma população que tem muito a ver com os "hermanos" do país ao lado: tem um ego desproporcional, mania de grandeza e o hábito de enxergar o mundo sob a lente turva das novelas das oito. O Brasil de 2010 não é o mesmo Brasil de 1994, e é conversa de mente reduta dizer que o Brasil de hoje é o "Brasil de Lula", é coisa de gente sem memória.

 Brasileiros, por favor, acordem. Vocês, compatriotas do sr. Juscelino, que construiu  essa vergonha pública de hoje, chamada Brasília, que lhes prometeu "50 anos em 5", com contas a pagar por mais 500 anos. Vocês, nascidos no país de João Goulart, derrubado por militares. Vocês, meus caros, vocês viram o Estado ser sucateado, saqueado e loteado por aqueles que se diziam patriotas, durante 20 anos. Vocês viram Sarney e Collor, então, a pergunta é: de qual parte exatamente vocês não se lembram?

O principal argumento contra as privatizações é um suposto sucateamento feito por FHC, para justificar as privatizações. O parágrafo acima mostra a obviedade: 20 anos de militares, 4 anos de Sarney, 2 anos de Collor, e dizem que Itamar em 2 anos, e FHC em 4, devastaram as empresas públicas para vendê-las? Então, entende-se que foi entregue a eles um Estado perfeitamente funcional, de contas sanadas, com empresas funcionando, salários razoáveis a seus servidores.

Funcionários públicos ganhando fortuna para não trabalhar, loteamento político de estatais - com consequente má administração e sucateamento -, desvio de verbas para modernização, direcionamento político de aquisições por empresas estatais, fundos de pensão, e etc, tudo isso foi FHC quem inventou, mirabolando a privatização do Brasil! O lobby governamental, que enriqueceu muitos políticos e servidores públicos, entre eles o pai do homem mais rico desse país, também foi inventado por FHC.

Quando finalmente concordam que o Brasil foi entregue ao ex-presidente sucateado, vem com a ladainha de que "tudo bem, poderia estar ruim, mas foi vendido a preço de banana". Então, eu convido qualquer um a arriscar seu dinheiro adquirindo uma estatal da Venezuela, Peru, Argentina ou Colômbia hoje. Eu convido qualquer um que acredite que as empresas brasileiras foram mal vendidas a colocar alguns milhões de reais em uma empresa de infra-estrutura estatal de qualquer um desses países. Aí entra o péssimo hábito de comer sardinha e arrotar caviar. Por que as estatais brasileiras de 1994 eram melhores que as venezuelanas de hoje? Só porque eram... brasileiras? Por preços diferentes dos negociados, eu teria colocado meu dinheiro na Alemanha.

É necessário compreender que antes de sermos patriotas, devemos ser realistas. É hora de abandonar o relativismo, a política da vantagem, a memória fraca, e o raciocínio imediatista. Nossa economia sólida não existia na época das privatizações. Aliás, ela foi construída através das privatizações. Nosso país era, 16 anos atrás, uma caixinha de surpresas, e uma bomba potencial. A credibilidade, a liquidez e a estabilidade foram construídas a duras penas, com sacrifícios, e eliminando fardos que eram pesados demais para que um Estado deixando a situação de abandono carregasse.

Estou aqui, escrevendo através de uma conexão banda larga ADSL, assinada por módicos $100,00 por mês, graças ao sr. Fernando Henrique Cardoso. Não sinto falta de meu modem US Robotics de 14400 kbps, ou dos telefones que custavam mais que um automóvel. E o mérito, sinto em informar-lhes, é do Professor Fernando Henrique Cardoso.

2 comentários:

  1. Na realidade não estamos com fontes fidedignas em nenhum lugar. Somos jogados de um lado a outro sob o lance de 'quem dá mais'.

    =*

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  2. Texto maravilhoso!!! Merecia publicaçao em jornal ou outro meio que atingisse um pouco as massas e os currais eleitorais do PT.

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